A morte em Harry Potter

Atenção! O texto a seguir está repleto de spoilers!


Lord Voldemort é um bruxo das trevas, habituado a tudo que há de mais perverso. Assim, é curioso que aquilo que ele mais tema seja justamente morrer. Essencialmente, todas as atitudes do vilão (e seu desejo por poder) estão ligadas à sua completa obsessão em suplantar a condição mortal. Para tal, inclusive, ele acaba recorrendo à própria morte como arma. Ele mata para fragmentar sua alma, em busca da imortalidade. Mata um casal, cujo bebê lhe representava uma ameaça. E mata para controlar a Varinha das Varinhas – também chamada “Varinha da Morte”. Morte, morte e morte mais uma vez. Se há um tema central em Harry Potter, este não é a magia.

Em dado momento do filme Harry Potter e a Pedra Filosofal, o jovem Harry encara, pela primeira vez – e graças a um espelho mágico -, os rostos dos pais que ele jamais conhecera. Sua história, inclusive, começa alguns anos antes disso, quando ele se torna célebre ao sobreviver à temível Maldição da Morte, na mesma noite em que fica órfão.

O tema “morte” surge em Harry Potter ilustrado das mais variadas formas. No âmbito literal, já somos introduzidos na saga do menino bruxo com a notícia do homicídio do casal Potter e com o tema da orfandade. Mais tarde, nos deparamos com a morte de um amigo e com a perda repentina de Sirius Black, padrinho do protagonista. Até mesmo a eutanásia do professor Dumbledore é mais que apenas sugerida em certo ponto. Nos dois últimos filmes, a fatalidade atinge os dois lados da batalha, tornando-se ainda mais incessante, e o sacrifício final de Harry, como último recurso para derrotar o vilão, ainda faz rima com aquele enfrentado pelos seus pais para salvá-lo.

Todos os signos encontrados nos filmes da franquia são, obviamente, oriundos dos livros nos quais são baseados. Por isso mesmo, é realmente recompensador para o leitor encontrá-los na tela, transcritos de maneira tão bem feita e atenciosa aos detalhes, já que a morte também se manifesta de maneira simbólica: Dumbledore (personagem de Sir Michael Gambon) surge usualmente representado num figurino de tons de roxo, que, assim como o verde do Avada Kedavra, é uma cor normalmente atribuída à morte. A figura de capuz e foice, aliás, praticamente ganha forma em Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1, na passagem em que, numa animação impecável, Hermione narra o Conto dos Três Irmãos (fábula que, claramente, trata da busca humana em refrear a mortalidade e as dores decorrentes da mesma).

Em tempos em que a morte e o genocídio nas batalhas de blockbusters passam quase que despercebidos, em Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 há um momento em que as perdas são encaradas, para serem então sentidas e refletidas. Coisa aparentemente esquecida em filmes como Superman - Homem de Aço, Círculo de Fogo e toda a franquia Transformers, onde verdadeiras hecatombes são provocadas e as milhares de vidas perdidas sequer são mencionadas, o que traz uma dose muita alta de artificialidade a um clímax que, supostamente, deveria ter algum peso dramático.

Lord Voldemort, cujo nome em francês significa "Voo da Morte" (querendo dizer algo como "Escape/Fuga da Morte"), tem estampado em seu rosto ofídico o resultado de uma vida tentando renegar esta característica tão intrínseca à humanidade. Harry Potter, em suma, é uma série que nos impreciona e impacta com uma mensagem sobre a finitude da vida, e de como a concepção desta realidade (chorada e aproveitada do jeito certo e com as pessoas certas) é o que nos faz tão humanos.


Em memória de Jailson Xavier. Nem tão fã de Harry Potter, mas apaixonado pela Emma Watson. Primo, amigo, irmão.

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